Cá vamos nós outra vez: DE-LE-GAR.


Por que é que não consigo delegar?

Tempo de leitura: 4 minutos

Na semana passada, recebi um email de um ouvinte do Manual de Boas Ideias que, a páginas tantas, dizia isto:

"Tenho uma agência com 12 pessoas. Trabalho 16 horas por dia porque não confio em mais ninguém para fazer as coisas bem feitas. Estou exausto, mas não vejo alternativa."

Ele dizia-me isto porque, no episódio, perguntei o que é que costumam fazer enquanto ouvem o MBI. Ele trabalha 16 horas por dia e, nalgumas delas, ouve o podcast.

Li aquela mensagem três vezes. E pensei: "Esta pessoa sou eu há dois anos."

Não porque eu tivesse 12 funcionários - na altura era só eu, como ainda sou hoje. Mas porque reconheci aquela sensação de estar preso numa armadilha que nós próprios criamos.

A diferença é que ele tem uma equipa e não delega. Eu nem sequer me permito ter uma equipa. Delicado, isto, eu sei. É o paradoxo do solopreneur...

O paradoxo do solopreneur

Muitos de nós que trabalhamos sozinhos não o fazemos por escolha estratégica.

Fazemo-lo porque temos medo de delegar.

Eu sei porque vivo isso todos os dias. Quando gravo uma locução, edito eu. Quando crio um curso, faço tudo eu - desde o conteúdo, à montagem das aulas, à venda das incrições aluno-a-aluno. Quando agencio outros locutores, sou eu quem fala com os clientes, quem negoceia os contratos, quem gere os projetos e até quem acompanha cada gravação.

Porquê? Porque "ninguém faz como eu faço."

Mentira. É porque tenho medo de largar o controlo.

A conversa que me começou a mudar

Há uns meses, estava a jantar com o Diogo e o Francisco, dois amigos que têm um estúdio onde produzem música, dão aulas de canto, entre outras coisas fascinantes para um nerd do áudio como eu. Eles contaram-me como tinham contratado, no ano passado, o primeiro funcionário. E como isso mudou tudo.

"No início, perdíamos imenso tempo a fazer o onboarding de cada aluno. Agora? Estamos a pensar abrir outro espaço porque chegámos à lotação deste."

"E se ele fizer asneira?" perguntei.

"Já fez. Duas vezes. Corrigimos e seguimos em frente. É preferível ter 90% de qualidade em 10% do tempo do que 100% de qualidade em 100% do tempo."

Aquela frase ficou-me na cabeça.

O que diz a ciência sobre isto

Depois daquela conversa, fui pesquisar sobre "por que não sei delegar". Sim, outra vez. Se já estão aqui há uns meses largos, sabem que, algures no tempo, levantei esta questão no Manual de Boas Ideias.

Desta vez, encontrei um artigo na Harvard Business Review que me abriu os olhos.

O problema não é técnico. É psicológico.

A investigação mostra que os líderes não delegam por três razões principais:

Primeiro: Acreditam que podem fazer melhor e mais rápido.

Segundo: Têm medo de perder controlo sobre o resultado.

Terceiro: Sentem-se culpados por "sobrecarregar" outros com o seu trabalho.

Reconheci-me nos três pontos. Especialmente no terceiro.

A experiência que me assustou

Na semana passada, fiz uma experiência simples.

Calculei quanto tempo gasto por semana em tarefas que podia delegar:

  • Edição de áudio: 6 horas
  • Gestão de redes sociais: 3 horas
  • Resposta a emails administrativos: 4 horas
  • Criação de materiais gráficos: 2 horas

Total: 15 horas por semana. Mais de um terço do meu tempo de trabalho.

E depois fiz a pergunta que me assustou: "Se eu delegasse estas 15 horas, o que podia fazer com esse tempo?"

A resposta era óbvia: mais cursos, mais clientes de locução, melhor estratégia para a agência.

Ou seja, as coisas que só eu posso fazer e que realmente fazem crescer o negócio.

O medo real por trás de delegar

Aqui está a verdade que ninguém quer admitir: não delegamos porque temos medo de descobrir que não somos assim tão especiais. Shame!

Se alguém consegue editar os meus áudios com 90% da qualidade que eu consigo, então o que é que me torna único?

Mas essa é precisamente a pergunta errada.

A pergunta certa é: "Se alguém pode fazer 90% do trabalho técnico, o que posso eu fazer com o tempo que sobra?"

O que mudou quando comecei a pensar diferente

Há duas semanas, contratei um freelancer para editar três episódios do meu podcast como teste.

Foi das coisas mais difíceis que fiz este ano. Riam-se, à vontade — também eu me ri agora que escrevi isto. Por ser verdade, não vou apagar esta linha.

Enviei-lhe os ficheiros brutos com instruções detalhadas. E depois... larguei.

Resultado? O trabalho ficou diferente do que eu faria. Não pior. Diferente.

E poupei 4 horas que usei para gravar conteúdo para um novo curso.

A lição para solopreneurs

Se trabalhas sozinho como eu, aqui está o que aprendi:

Delegar não significa contratar funcionários a tempo inteiro. Significa identificar tarefas que outros podem fazer e encontrar formas de as passar.

Freelancers. Assistentes virtuais. Ferramentas de automação. Parcerias.

O objetivo não é construir uma empresa gigante. É libertar tempo para fazeres o que só tu podes fazer.

O teu (nosso) próximo passo

Esta semana, faz este exercício (eu farei também):

Lista todas as tarefas que fazes regularmente. Marca as que só tu podes fazer (estratégia, relação com clientes principais, criação de conteúdo único).

Tudo o resto? É candidato a ser delegado.

Escolhe uma tarefa pequena. Encontra alguém que a possa fazer. Testa.

Vai ser desconfortável. Vais querer controlar tudo. Resiste.

A verdade inconveniente

Delegar não é sobre ter uma equipa grande. É sobre ter coragem de largar o que não é essencial para te focares no que realmente importa.

E essa coragem? É o que separa solopreneurs que trabalham 16 horas por dia daqueles que trabalham 6 horas e ganham mais.

O empreendedor que me escreveu ainda não implementou nada do que lhe sugeri — que foi muito do que partilhei aqui convosco. Mas espero que comece pequeno.

Porque a liberdade que procura está do outro lado do medo de largar.

Até domingo,
Diogo

P.S. Se queres saber como identifiquei as primeiras tarefas a delegar no meu negócio de locução, responde a este email. Se houver interesse suficiente, partilho o processo completo numa próxima edição.

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